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sábado, 23 de junho de 2012

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: 
meu Deus. Tempo de absoluta depuração. 
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
 Porque o amor resultou inútil. 
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho. 
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. 
Ficaste sozinho, a luz apagou-se, 
mas na sombra teus olhos resplandecem
enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer.
 
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? 
Teus ombros suportam o mundo e ele 
não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões
dentro dos edifícios provam apenas 
que a vida prossegue e nem todos se
libertaram ainda. 
Alguns, achando bárbaro o espetáculo, 
prefeririam (os delicados) morrer. 
Chegou um tempo em que não adianta morrer. 
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade

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