NÃO HÁ AMOR COMO O PRIMEIRO
Não há amor como o primeiro.
Mais tarde, quando se deixa de crescer,
há o equivalente adulto ao primeiro amor —
é o primeiro casamento; mas não é igual.
O primeiro amor é uma chapada, um sacudir
das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem
que nos come as entranhas e não nos explica.
Electrifica-nos a capacidade de poder amar.
Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor
de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso
primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou
de onde saltamos.
Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar,
seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola
de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de
costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como
patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar
por toda a parte.
Há amores melhores, mas são amores cansados,
amores que já levaram na cabeça, amores que sabem
dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o
desconto, amores que já têm medo de se magoarem,
amores democráticos, que se discutem e debatem.
E todos os amores dão maior prazer que o primeiro.
O primeiro amor está para além das categorias
normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.
Não tem nada a ver com a vida. Pertence a um mundo
que só tem duas cores — o preto-preto feito de todos
os tons pretos do planeta e o branco-branco feito de
todas as cores do arco-íris, todas a correr umas
para as outras.
Podem ficar com a ternura dos 40 e com a loucura
dos 30 e com a frescura dos 20 — não há outro amor
como o amor doentio, fechado-no-quarto, o amor do armário, com uma nesga de porta que dá para o
Paraíso, o amor delirante de ter sempre a boca
cheia de coração e não conseguir dizer coisa com
coisa, nem falar, nem pedir para sair, nem sequer
confessar: “Adeus Mariana — desta vez é que me
vou mesmo suicidar.”
Podem ficar (e que remédio têm) com o
«savoir-faire» e os «fait-divers» e o “quero com vista
pró mar se ainda houver”. Não há paz de alma,
nem soalheira pachorra de cafunés com champagnhe
que valha a guerra do primeiro amor, a única em que toda a gente perde e toda a gente morre e ninguém fica para contar como foi.
Não há regras para gerir o primeiro amor.
Se fosse possível ser gerido, ser previsto, ser agendado,
ser cuidado, não seria primeiro. A única regra é:
«Não pensar, não resistir, não duvidar». Como acontece
em todas as tragédias, o primeiro amor sofre-se principalmente por não continuar. Anos mais tarde, ainda
se sonha retomá-lo, reconquistá-lo, acrescentar um
último capítulo mais feliz ou mais arrumado.
Mas não pode ser. O primeiro amor é o único milagre
da nossa vida — «e não há milagres em segunda mão».
É tão separado do resto como se fosse uma
primeira vida. Depois do primeiro amor,
morre-se.
Quando se renasce há uma ressaca.
Miguel Esteves Cardoso,
in 'Os Meus Problemas'
Um comentário:
Maravillosa descripción de lo que es el Primer Amor.
Ese Amor que quedará estancado de por Vida en nuestro corazón y nuestra mente, tiñéndose nuestra Alma de su color y fragancia.
Precioso Poema.
Un abrazo.
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