OS DIAS BONS
Os dias bons são os dias em que se acorda,
tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda,
dez horas e, refletindo naquela ronha
de quem já não consegue dormir mais
mas gosta de ficar na cama
(porque a temperatura e a
companhia são perfeitas), se lembra
que não tem nada para fazer,
senão tomar o pequeno-almoço,
o almoço, o chá e o jantar.
E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo
qualquer, trabalhar, tanto melhor.
Mas não importa.
Dias de domingos antigos:
dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem.
Acontecem, quando muito,
cinco ou dez mil vezes numa vida.
Três míseros anos já têm mais de mil.
Domingo, daqui a uma semana,
terei a sorte nunca tida de
estar casado e feliz com a
Maria João há 12 anos.
Doze anos cheios de dias bons,
impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não
sabe como fazer, não é uma técnica
ou uma táctica. Não há segredo.
Não há lições. Ou se ama ou não se ama.
Ou se é também amado ou não se é.
Esperar é o melhor conselho.
Experimentar é o pior.
O segredo não é ter paciência:
é conseguir manter a impaciência num
estado de excelsitude.
É como o «nunca mais é domingo».
Se não sentirmos, todos os dias,
que nunca mais é domingo,
quando chegar o domingo parecer-se-á
com outro dia qualquer.
Os dias bons não são os que ficam para
lembrança. São aqueles que se esquecem,
porque se repetem na mais estúpida
felicidade mas que, todos juntos,
servirão para um dia eu poder
dizer «sim, eu já fui feliz».
Miguel Esteves Cardoso
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