ARTE DE SER
Quando acaba uma partida de tênis,
os dois jogadores mal se falam.
Trocam aperto de mão ainda chispando
de ódio. Já no boxe, após socarem-se,
inchados, sangrastes abraçam-se
efusivos. Há afeto no abraço,
reconhecimento - quase sempre -
do talento e coragem alheios.
Entre dois homens que se enfrentam
fisicamente, após o máximo de tensão
e raiva, surge admiração, o respeito,
brota a amizade. O tênis é ao mesmo tempo
o mais violento e o mais civilizado
dos desportos. É tão violento, que se
transformou no mais distinto e elegante.
São 2 horas de uma pancadaria
como não há outra em qualquer desporto.
Dois seres humanos, com um tacape
nas mãos, esbordoam uma bola
com energia potente, por horas.
É jogo silencioso. Olhar de lince,
ação de espreita, jogo limpo, cada qual
em seu território, nenhuma promiscuidade
física, os debatedores olham-se ao longe,
não se misturam, não se roçam, não sentem
o cheiro do outro, tudo, sempre, civilizado,
anti-séptico, vestidos de branco,
toalha para o suor.
E, no entanto, odeiam-se talvez porque
jamais consegue transformar a raiva
em atrito real, confronto entre forças
físicas em choque. No boxe, o oposto.
Luta dramática, agônica, a resistência
em seu limite, abraços, baba suor,
sangue, cuspe, cheiros, a um passo
da humilhação pela queda, a derrota
patente, o cansaço, a superação,
força, técnica e resistência misturadas,
exaustão, estresse e o enorme orgulho,
ao final, de haver logrado superar não
o adversário, mas,
sobretudo a si mesmo.
(Artur da Távola)